2009-05-11

O velhote (V)

Tem as mãos doridas pelo peso do tempo, e sabe que ela também, no entanto não resiste a procurar a mão dela enquanto abre a porta para o jardim, para o próximo passeio que estão prestes a empreender, para mais um momento de vida que sabe que está prestes a saborear. Momento de vida, pois ela é o relógio dele, quando ela não está o tempo surge na sua forma mais normal, tic-tac, tic-tac, esteja ele onde estiver, é a dizer tic-tac que a vida fala com ele.

Momento de vida, sempre que ela está, pois o tempo pára… Pára como aconteceu no momento em que nascemos, parou para todos aqueles que nos esperavam, que nos amaram ainda mesmo antes de terem visto a nossa face; pára como irá a acontecer no momento em que morrermos e todos os que nos amam estarão lá para dizer adeus; pára como acontece de cada vez que um coração descobre que está apaixonado; pára como acontece em todos os momentos que existe um abraço repleto de amor entre dois serem que sabem que vão estar separados pelo indeterminismo do tempo; pára como acontece no momento de ansiedade que antecede a separação desses dois seres… na verdade o tempo continua a passar, é a vida que pára por uns instantes!

Momento de vida, sempre que ela está, pois agora é o tempo que pára e a vida que segue, deixa de existir o antes, o depois, o ontem ou o amanhã, o tempo é vivido como se fosse um único instante, como se a vida fosse aquele único instante, o instante que é vivido junto a ela, seja por um segundo ou por uma vida, não existe distinção! O tempo não tem o peso da distância dos seus instantes, mas sim da intensidade das emoções que proporciona em cada instante. Junto a ela cada instante, era uma vida!

Tem as mãos bastante doridas pelo peso do tempo, mas como sabe que ele gosta de sentir o toque dela, põe de lado uma vez mais as dores e acede em dar-lhe a mão com a mesma delicadeza que o fez muitos anos atrás, pela primeira vez. Um simples “dar as mãos”, ele sempre banalizou este simples gesto, nunca percebeu a importância de outras mãos que procuraram a dele davam aquele simples gesto, até sentir a necessidade na sua mão de sentir a dela. Só com ela ele percebeu, aquele simples gesto, é mais que um simples toque de pele, é agora um toque de alma, um toque de coração, um abraço constante, um aconchego indescritível, uma harmonia total e completa entre todos os pequenos pedaços que constituíam o seu mundo, é um desprendimento total e completo de tudo o que não é paz, é um condensar nesse gesto a certeza de que se está onde se deveria estar, a fazer o que se deveria estar a fazer, com quem se deveria estar... é o estar presente no aqui e no agora!

Ambos doridos nas mãos, ele com mais algumas dores de costas e a ficar com falta de ar pelo esforço que tem de fazer para abrir a porta, recebe a ajuda dela, e dessa forma, juntos conseguem mais essa pequena façanha, o caminho está agora aberto, e com um sorriso ela diz:
- Vamos?
Ao qual ele responde com um brilho nos olhos:
- Sempre!

2 comentários:

Anónimo disse...

Seria bom que fosse possível congelar os segundos, os momentos em que se sente que aquele é um momento de vida...

Seria bom prender num bater do coração as mãos dadas naquele momento e senti-las para sempre unidas...

Seria tão bom parar o correr dos minutos naquele brilho nos olhos, naquelas sílabas pronunciadas com o coração: "Sempre"...

Sempre estarei aqui... Para ti...

Claudia disse...

Ai ai ai... num sitio leio o bloquear o coração e penso... pois é, é isso que precisas de fazer mais vezes. Aqui leio o eternizar um momento... e eu que sou mesmo coração de manteiga quase que choro com estas descrições magnificas do sentir!
Fantástico!