2009-05-05

O velhote (III)


Caminha agora com toda a calma, sem pressas, pois embora não a esteja a ver consegue sentir em cada átomo do seu corpo a vida que naquele momento existe naquela sala, a vida que sabe brotar dela. Procura posicionar-se no horizonte de vista dela, para que saiba que ele chegou, que a aguarda. Através daqueles arco-íris de robes, os olhares de ambos conseguem encontrar-se, e sem que ninguém perceba pois ela tem também o talento de emanar diferentes emoções para várias pessoas ao mesmo tempo, os olhos dela iluminam-se para ele, e por uns instantes todas as dores do corpo desaparecem, todas as pequenas preocupações são reduzidas a nada, e ainda a saborear as ondas de se ter apaixonado uma vez mais por ela, há uns instantes atrás, sabe que uma nova vaga dessas ondas está a caminho.

Imóvel, junto à porta que os levará até ao lago ele observa como a improbabilidade da vida se revela uma vez mais. É para um grupo de idosos que olha, mas o que vê são jovens corações a pular de vida, como se uma qualquer alma bondosa estivesse a distribuir doces a crianças que raramente sentiram o seu sabor. A vida é extraordinária, ela é extraordinariamente linda, e ele um abençoada por através dela conseguir ver os sorrisos que a vida insiste em mostrar, todos os dias, das mais variadas formas, a quem tiver aberto o coração para os ver.

Ele nota que não está a ser fácil para ela fazer com que a deixem ir… ter com ele, e por uns instantes observa algumas das bengalas que abundam naquela sala, e começa a imaginar o que aconteceria se ele as usasse para abrir caminho… mas não, essa não era a forma dele ser, nunca o foi. Ele nunca se impôs, nunca quis impor nada na vida dela, ele amava-a da forma que melhor sabia, da única forma que sabia que se deixaria amar, “pelo significado da palavra em si”, amar porque é isso o que o coração deseja, sem imposições, sem medos, sem comparações, sem projecções, sem restrições, sem orgulhos, sem vaidades, sem impaciência, sem ciúme, sem mentiras, sem mas de qualquer espécie e mesmo sem retribuição, pois ele senil como por vezes parece ser, continua a acreditar que o amar existe por si só, transcende a necessidade de ser amado. Mas qualquer destes argumentos está a mais, pois amá-la é algo que ele sempre fez naturalmente, como que se não existisse qualquer alternativa, como respirar… sim, a vida uma vez mais mostra a sua face, era tão simples como isso, respirar e amá-la, foi o que ele sempre mais precisou para viver!

2 comentários:

Claudia disse...

Fabuloso! Esses três momentos do "Velhote" enche a alma a qualquer ser que sente!

Anónimo disse...

Meu querido,


Sabes bem que a velhota estava ansiosa por largar tudo e correr, o melhor que podia e as artroses lho permitiam, na direcção do seu amado...

A vida às vezes é tão difícil...

Respirar e amar... Somente...