2009-05-02

O velhote (I)

Espera ansiosamente na sala comum daquele lar. Aquele lar que ambos imediatamente concordaram que tinha de ser aquele quando o viram pela primeira vez. Tinha nos jardins aquela paz que ela gostava de sentir para melhor por em palavras os mares de sentimentos que sempre viveram com ela, os mares de sentimentos que faziam limpar a alma a todos os que tinha oportunidade de os vislumbrar. Tinha também o lago, que ele dizia gostar de olhar pois trazia-lhe paz, mas na verdade era mais um desculpa dele, para ela não perceber que pelo canto do olho, a paz vinha de estar a vê-la. Ela percebia os pequenos truques dele, mas não se importava, pois apesar de lhe ter dito muitas vezes que não era nada de especial, sempre soube que por alguma razão ele sempre sentiu paz a olhar para ela, mesmo agora que a sua face tinha as marcas do tempo, ela sabia pelos olhos dele que continuava lindíssima. Estava a ficar caquéctico pensava ela por vezes, numa tentativa de tentar perceber aquele fascínio, mas as pessoas assim não conseguem ser coerentes, e ele era-o com ela!

Uma hora depois ela surge no corredor, embora com algumas dores de costas e de pernas não deixa que isso impeça o seu andar altivo, nem que esconda o seu sorrir para as pessoas com quem se cruza. Prestes a sentir que está a ter um pequeno ataque de coração, resmunga consigo próprio nestas palavras: “ò velhote, vê se te acalmas, tens quase oitenta anos, já tens boa idade para saber controlar a ansiedade que sentiste a primeira vez que soubeste que era Ela”.

Ao chegar a ele, baixa ligeiramente a cabeça, e por cima dos óculos que usa, ilumina-lo como sempre faz com aquele doce olhar. Apesar dela se manter imóvel, ele percebe que ela abana ligeiramente a cabeça com um ligeiro sorriso paciente enquanto parece pensar “ai,ai, que vou fazer contigo!”. Que fez ele desta vez, fica a pensar! Então ela diz-lhe: - Sabes que adoro azul, mas podias ter trazido as pantufas com a mesma cor de azul! Novamente.. Não.., resmunga ele para si mesmo, na pressa de ir ter com ela, trocou as pantufas. - Espera um momento por favor diz-lhe, volto já. E com o cinto do robe a arrastar pelo chão, vai o mais rápido que pode ao quarto, trocar uma das pantufas, enquanto que, prático como é pensa “vou despachar um par de pantufas, e comprar mais três pares da mesma tonalidade, pois não posso perder mais tempo a estar sem ela para andar atrás das pantufas… e já agora será que troquei a fralda?”.

1 comentário:

Filipa disse...

Absolutamente delicioso, este velhote!

Por ser tão especial, até admira não estar casado!...

A velhota sabe o valor daquele coração e ama-o profundamente!

O seu sorriso diz sempre tudo e o seu olhar ainda mais!...