«Durante todo aquele Inverno a cega ficou dentro de casa a maior parte do tempo, esperando que o rigor do tempo passasse um pouco…ali vivia sozinha.
Naquela manhã de Abril o frio ficou mais ameno e ela apercebeu-se do perfume estimulante da primavera. Seus ouvidos escutaram o canto alegre de um passarinho do outro lado da janela como que a convidasse para dar um passeio fora de casa.
Preparou-se, pegou na bengala e saiu. Na rua voltou o rosto para o sol, sorrindo agradeceu-lhe o seu calor e a promessa de dias mais quentes.
Caminhou tranquila sorridente pela rua sem saída, ouviu a voz da vizinha oferecendo-lhe boleia, agradeceu mas suas pernas precisavam de andar, todo o Inverno estiveram descansando.
Ao chegar à esquina ela esperou, como sempre fazia, que alguém se aproximasse e a ajudasse quando o sinal ficasse verde.
Os segundos pareceram uma eternidade… ninguém aparecia. Ela percebia muito bem o ruído nervoso dos carros passando correndo como se tivessem que levar seus ocupantes a algum lugar muito depressa.
Por um momento sentiu-se sozinha, desprotegida e para afastar essa sensação começou a cantarolar uma canção de boas vindas à primavera que naquele momento lhe veio à memória, canção que aprendera na escola quando criança.
Eis, que uma voz masculina bem modulada se lhe dirigiu “você parece um ser humano muito alegre… posso ter o prazer da sua companhia para atravessar a rua?”
Ela fez que sim coma cabeça, seu sorriso voltou enquanto murmurava ao mesmo tempo um “sim”.
Delicadamente, ele segurou o braço dela. Enquanto atravessaram devagar, conversaram sobre o tempo e como era bom, estar vivo num dia daqueles.
Como andavam no mesmo passo, era difícil distinguir quem era o guia e quem era o guiado.
Mal chegaram ao outro lado da rua ouviram as buzinadelas impacientes dos automobilistas. Deve ser mudança de sinal, pensaram.
Ela voltou-se para o cavalheiro, abriu a boca para lhe agradecer a ajuda e companhia, mas já ele estava falando “Não sei se percebe como é gratificante encontrar uma pessoa tão bem disposta para acompanhar um cego como eu, a atravessar a rua”
- Baseado no livro Pequenos Milagres – Yitta Halberstam e Judith leventhal, ed. Sextante, págs. 36/37
2009-04-14
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1 comentário:
Essa velha poderia bem ser eu! Simplesmente porque aguardo sempre o sol com ansiedade!...
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